Hoje é dia do corpo.
Se o Senhor foi generoso convosco e vos deu um. Usem-no!
Convém, no entanto, ter cuidado com o uso que lhe damos pois há coisas que não podemos fazer com ele. Ontem, graças à UMAR soube de mais uma: É crime recorrer-se à inseminação artificial caseira. O Big Brother gosta de observar tudo o que fazemos, se possivel, com quem dormimos, como dormimos, como é que fazemos bebés...
Sejamos um pouco mais optimistas... aqui em Portugal ainda não nos controlam o número de filhos por casal nem o sexo que o bebé deve ter, como fazem na China.
Mas não nos animemos assim tanto porque comparar as nossas desgraças com as dos outros pode levar à inacção. "Podia ser pior" se pensarem isto procurem pensar "Não pode ser pior porque nós não vamos deixar, pode vir a ser melhor".
A procriação medicamente assistida está vedada não só a casais homossexuais mas também a mulheres solteiras e viúvas que se sintam motivadas a criar uma criança. Traduzido por miúdos, só a presença de UM homem legitima a coisa (dois homens é demais, ok?). Li que até para laquear as minhas trompas preciso do consentimento do meu marido, se for casada. Felizmente não sou senão... teria de matar o meu marido?
Para quem pondera recorrer à inseminação artificial o Clube Safo (não sei se ainda sobrevive, parece que está em gestão) deixou-nos de herança um artigo muito interessante cuja leitura é obrigatória. Para quem não gosta muito de ler, aquilo tem desenhos mais fáceis de descodificar do que os da rosa-que-fuma. ;-)
Resumindo, se houver alguma complicação legal, abstenham-se de dizer que o fizeram de forma caseira se não quiserem ir para a prisão. Se calhar mais vale passarem por bêbedas e promíscuas e dizer "Ah, não sei quem é o pai, não sei mesmo".
Seja como for, qualquer das duas hipóteses é sempre humilhante para a mulher.
Mas o corpo, esse, é nosso.
x-pressiongirl
9 comentários:
;F
No último fim-de-semana, no debate a que vocês fizeram referência, a Luísa Corvo, da ILGA, dizia a esse respeito qualquer coisa como: estamos fartas de caminhar (a propósito de "o caminho faz-se caminhando...")e já era tempo de nos podermos sentar :)
Alguém explicou aí algo que também achei surpreendente: toda uma série de restrições que há para os casais homossexuais ou para a procriação medicamente assistida prendem-se com o Código Civil de 1966, entretanto revisto!, e que tem na essência o casamento entre um homem e uma mulher como o "certo"... É certo que a Contituição (a lei fundamental) impede discriminações, incluindo com base na orientação sexual,... mas que interessa isso?!
Como noutras coisas, caso a caso, vai-se felizmente - e lentamente -fazendo jurisprudência. Só é pena que a Justiça perante casos "complexos" prefira meter a cabeça na areia...(a ver no que dá um caso que há cá e viola essa proibição da inseminação doméstica...)
Ena ena, parabéns às duas pelo Blog. Está fantástico, completo e claro irreverente como só podia.
Aplaudo a iniciativa por mim ganharam um leitor assíduo.
Realmente já chega dos “podia ser pior”, chega de nos “sentarmos” na nossa liberdade…
Sem dúvida LR. É engraçado que eu também estive nesse debate (aqui o sem bikini não se limita só a publicitar coisas boas, empenha-se em não perdê-las) e confirmo isso. Caminhando lentamente ou mais depressa o que é preciso é que se caminhe e não que nos "sentemos" (penso que ela disse isto da boca para fora, quero acreditar que sim).
James Love, já cá fazia falta você também. As duas (como quem diz... dois XX do mesmo Cromossoma, dois braços da mesma cabeça, um dia conto a história das "duas") personagens agradecem o elogio, automatic lover. Frio metálico, um amante automático. ;-)
Abraço,
x-pressiongirl
Olha, a rosa passou-se com a questão. Vai entrar em delírio. Rosa, butes:
1º emancipação: abdicar de um direito sobre alguém. Constatação: o patriarcado precede-nos, o feminismo é convencê-"los" a abdicar (outra coisa será guerra). Neste contexto leio a tal wittig: tirem-nos da história, não se metam com eles.
2º Este facto da inseminação permite-me uma nova leitura sobre o antigo código do aborto, da cena da violação.
criminalizadas OUTRAS relações, SOCIAIS, não sexuais, o que funda a paternidade é a relação heterosexual consensual, ou seja, escolheres um gajo para dormir. Não, virgula, escolheres um gajo para procriar. A tua escolha para procrear é entendida como simultânea á tua, em sentido muito específico, orientação sexual (se aprecias gajos idiotas e bem dotados, azar, vais ter que gramar com eles como pais).
Há um claro desfavor da ESCOLHA das relações paternais como algo distinto da orientação sexual. Uma confusão conceptual entre as duas, que não é acidental (outras opções são criminalizadas, ainda que provenham dum consenso)
rosa, adoro quando lhe salta a tampa. ;-) Permita-me só discordar de uma coisinha. Não penso que a emancipação deva ser encarada como o acto de se convencer alguém a abdicar de um direito sobre nós, mas sim recuperar a nossa independência em todos os planos, físicos ou não (o meu corpo é o meu território). Não lhe chamo guerra porque não aceito semelhanças entre a acção do opressor e do oprimido.
Bem vista a cena da "criminalização" de outro tipo de relacionamentos não sexuais, não reprodutivos, nunca tinha pensado bem nisso. A conversa dá pano para mangas, vamos guardar o pano para um destes chás das 5 (a Condessa nunca mais anuncia o chá e já anda toda a gente impaciente)?
Abraço x-pressivo.
P.S. - Cuidado com a sra Wittig que era daquelas fundamentalistas que ditava dogmas do estilo "uma lésbica não é uma mulher" não se pode ler isto fora do contexto, é óbvio, mas há coisas que não se devem dizer/escrever com esta candura.
pois claro: uma lesbica não é uma mulher porque sai do contexto reprodutivo-económico onde se insere a mulher=heterosexual (fique-se de aviso, eu não subscrevo nenhum pensador senão eu própria. Admiro todas as formulações como simulação, umas mais funcionais que outras).
Mas a história da emanecipação digo-a com um contexto preciso. Emancipar um escravo implicava dar-lhe o ESTATUTo, abdicar dos direitos SOBRE ele (perante a lei, poder ter propriedade, polícia, polís). Um escravo fugido não era livre porque se movia na clandestinidade, por muito que ostentasse uma excelente, bela, auto-conhecedora e combativa natureza.
e sim, a conversa dá pano para mangas.
Os "resquicios de patriarcado na lei"
Numa inseminação em clínica, é autorizado um estatuto diferenciado entre dador e pai. O segundo é na realidade um pai de afecto numa adopção.
O pai de afecto não pode ser indicado pela mulher/mãe, mas pela clínica (criminalização da coisa caseira e excesso de poder médico).
O pai de afecto TEM que ser semelhante ao dador (cor dos cabelos, tamanho das mãos? não, tem que ter pila-proibição da I. clínica a solteiras e lesbicas)
Donde se conclui que a casualidade de um dos elementos do casal ter pila é absolutamente determinante para a qualidade de vida duma criança (e a ausencia da pila absolutamente determinante no seu mal estar)
Que as clínicas estão soberanamente equipadas para distinguir um dador de esperma de um pai (parent), mas não o está uma mulher singularmente.
(whatever: isto são muitas voltas apenas para fazer coincidir a relação sexual com a relação legal, fundamento da antiga permissão de aborto em caso de violação_"ela não deu consentimento para a relação de paternidade")
Queremos isto na lei? Deitar com um homem é aceitar uma relação legal (e a unica maneira de não ter é alegar insanidade temporária?)
Ok, eu e essa senhora temos diferentes visões do conceito de mulher (ela coloca a visão apenas no contexto reprodutivo-economico actual). Sinto-me tentada a viajar antes e depois deste tempo. A mulher sempre foi subalternizada? Sempre houve escravos?
Isto é, não me interessa saber em que altura é que foi "oferecida" a emancipação do escravo (aliás, sabe-se historicamente que estas coisas nem são oferecidas, são, sim, conquistadas com sangue). Interessa-me saber em que altura e por que é que um homem se acha no direito de escravizar outro. E não nos esquecemos que esta "conquista" é um tanto ilusória. Ainda hoje vivemos de escravos, há pessoas diariamente escravizadas em todos os sentidos. A história do homem como detentor e, simultaneamente, como propriedade privada, ele mesmo.
Bem vista, mais uma vez, a tua reflexão sobre o papel do "pai" na história da reprodução. Um abraço. ;-)
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