Há muitos bons artistas em Portugal. Alguns cultivam a arte de saber escolher com quem dormir, outros educam-se e aprendem a ser auto-didactas, outros formam-se em escolas que na maior parte das vezes pouco mais têm para lhes oferecer que um diploma. Focar-me-ei neste terceiro grupo.
Ser artista num país que subestima a cultura de forma grosseira é obra, sobretudo, se tivermos em conta que os artistas tendem a ser
mais facilmente reconhecidos não pela sua obra propriamente dita mas
pelo sobrenome com o qual assinam os recibos verdes (pessoal do
FERVE - Fartos d'Estes Recibos Verdes e outros movimentos de denúncia e acção como os
Precários Inflexíveís têm chamado a atenção para isto),
pelo corpo que ostentam ou pelos
contactos que têm no pequeno mundinho das artes. É assim em todos os "submundos" da sociedade portuguesa, um pouco por todas as classes profissionais, a começar pelo "submundo escolar e académico".
A escola formata porque a sua função primeira é
educar para a obediência, a subserviência, o não questionamento das normas ou hierarquias existentes (a parvoice das praxes é o exemplo mais flagrante, com a agravante de ser praticada entre pares - o
M.A.T.A - Movimento Anti-Tradição Académica tem questionado isto de forma implacável). O processo de Bolonha não veio contribuir em nada para colmatar falhas deste âmbito, o individuo que se queira integrar deve acarretar as normas se quiser ser bem sucedido no sistema.
Os artistas são aqueles que têm voz e matéria para colocar (ainda que subtilmente) a arte ao serviço de causas. Mas os artistas, que grosso modo não podem trabalhar por carolice, precisam de financiamento. E como obtê-lo quando aquilo que a obra revela questiona de forma incomodativa os que atribuem subsídios e apoios? O que se entende por censura e de que formas subtís ela se manifesta?
Nosotros - na
Cinemateca, dia 23, às 21:30 (conservem o bilhete porque depois do filme há festa no
Cabaret Maxime, com música a cargo de Mister Lizard e DJ Nuno Lopes, também actor).
Nosotros é o título do mais recente filme produzido por alunos finalistas da
Escola Superior de Teatro e Cinema e assinado pelo professor Luís Fonseca. É um melodrama multiplot em que três histórias nucleares se cruzam, fazendo jus ao tema "encontros/desencontros".
Não se tratando de um filme LGBT, despertou-me particular atenção o facto de abordar o tema da bissexualidade. Formam o triângulo: uma rapariga, o namorado dela e um rapaz espanhol a quem ela aluga um quarto de sua casa. O espanhol e o namorado acabarão por se envolver sentimentalmente e isso virá a encerrar um ciclo na vida de todos eles.
A Dama, O Leão e o UnicórnioA partir de "colagens" de textos de Jean Genet,
Rui Neto aventur

ou-se num solo (o tema da solidão é o compasso) a que chamou de "esboço". Diria mais que um esboço, um delicioso delírio. Incorporando as várias personagens que o habitam, Rui Neto explora o queer e fá-lo de forma genial, perturbante e até incómoda. O público é constantemente provocado, sente nojo, sente pena, sente. A parte visível do trabalho, a realização plástica, a cargo de Sofia Ferreira é também de uma genialidade impressionante. A quem é que lembra um manto multi-usos ou um chapéu daqueles?
Esta imagem foi surripiada
daqui.
Mais dinheiro houvesse e mais genialidade surgiria, mais cultura existisse e melhor reconhecidos seriam os seus agentes.
A reflexão é amiga da revolução. É por isso que a reflexão é silenciada e a revolução não será televisionada.
Não há revolução sem que haja uma revolução sexual. - relembra Gudrun em
Raspberry Reich.
A propósito deixo aqui dois presentinhos:
x-pressiongirl
P.S. - Especial agradecimento a João Pinto, um dos responsáveis pelo guarda-roupa, por me ter concedido uma mini-entrevista e pela forma cortês como respondeu às minhas insistentes perguntas sobre o filme Nosotros.
Enviar a mensagem por emailDê a sua opinião!Partilhar no FacebookPartilhar no Pinterest