Have fun!
Condessa X
Acaba de entrar num espaço lesbo-feminista (de raíz). Se não fôr, pelo menos, uma das duas, entrou no blog errado. Somos abolicionistas da prostituição e recentemente começámos a ser chamadas de TERF. Em breve um post explicando o porquê.
P.S. - Está anunciada uma festa no Foyer do cinema São Jorge, na Sexta 19, às 23:30 logo após a sessão de abertura. Haverá também uma festa de abertura do queer festival na discoteca Maria Lisboa à meia-noite. Das duas uma, ou a festa no São Jorge dura apenas meia-hora ou teremos duas festas à escolha. É belíssimo o terraço do São Jorge, não é? ;-) Cheers!
A escassez
Foquemo-nos num livro de temática lésbica. Ele pode ser uma simples obra de ficção, um diário, um ensaio, uma compilação de contos, uma compilação de entrevistas, uma biografia, um kamasutra… Ainda é fácil arrumar estes livros nas prateleiras de uma Fnac qualquer porque a quantidade ainda permanece pouca.
É precisamente por este motivo que temos tendência para gostar de qualquer coisa que venha com o label “temática lésbica”. Se um filme relata a história de duas protagonistas lésbicas, ele é uma maravilha. Se um livro fala de lésbicas, então ele é muito bom. Falta-nos mais oferta para podermos filtrar aquilo que nos vai chegando, isto é, separar o trigo do joio. Sinto-me tentada a denunciar maus livros e maus filmes, mas terei o bom senso de não o fazer através da escrita porque a x-pression disse que as Divas não fazem essas coisas.
É, de facto, imprudente avaliar a temática, o autor, ou o género sem se avaliar a qualidade. Não há literatura lgbt da mesma forma que não há literatura negra, ou literatura light. Há apenas “Literatura” e “não literatura” independentemente da temática, do autor ou do género.
Nem tudo o que é lésbico é bom. Não temos de gostar de um bar só porque ele é “lésbico”, de um livro, de um filme, do L Word, de uma cantora, de uma actriz ou de uma rapariga só por ela ser lésbica. E é sempre este o meu receio quando surge um filme, um bar, um livro, uma festa lésbica (produto que tem pouco mais de dois anos - lançado no mercado com a extinta Festa da Mulher Aranha e agora com a Lesboa a comemorar dois anos de existência), ou quando uma actriz ou cantora se assume. As coisas podem ficar piores quando se assumem como heterossexuais porque nós, lésbicas, temos tendência para penalizar tamanha ousadia. Assumir-se como heterosseuxal depois de dizer que era lésbica?
Lembram-se das Tatu antes tão amadas pelas lésbicas e agora tão esquecidas porque afinal parece que o seu lesbianismo era apenas fruto de uma estratégia de marketing?
"Ya soshla s uma" significará qualquer coisa como "eu enlouqueci por causa dela" e não "all the things she said".
Um amigo russo apresentou-me às suas músicas (cantadas em russo, que era muito mais giro) muito antes de chegarem a Portugal atreladas à língua inglesa. Pouco me importa com quem dormem as miúdas, continuo a gostar das suas músicas meio pirosas, sofridas e dramáticas de amores proibidos e impossiveis. Mas na música temos mais variedade do que na literatura.
Não me recordo de ler um único livro de temática lésbica que tivesse uma história apaziguadora, um enredo que não tivesse excessivo sabor a drama. Penso que se tivesse de agrupar todos os livros lésbicos que conheço em prateleiras, a secção de narrativas deprimentes teria de roubar espaço a todas as outras. Observa-se todo esse drama nos guiões de teatro e de cinema e até na generalidade dos blogues de temática lésbica. Há um défice de escrita positiva e isto não ocorre somente nos livros de temática lésbica, isto é global.
Pensemos nos filmes de temática lésbica. Quantos deles são depressivos e quantos não são? Quantos deles têm um final feliz e quantos acabam mal? Quantos encaram o sexo de forma natural e descomplexada e quantos o encaram como uma expressão tristonha de um amor sofrido? Por que é que os grandes amores têm de nos parecer sempre sofridos? Não podem ser alegres e descomplexados e ainda assim serem grandes amores? Teremos nós vidas assim tão penosas que até a fazer sexo somos descritas de forma triste?
É o drama que me faz estalar o verniz. O excesso de drama. Somos um povo fadisticamente dramático, nunca estamos contentes com nada e, subitamente, contentamo-nos com pouco. É este olhar de dentro que uma lésbica reflecte na sua obra que me interessa aqui. Como nos vemos? Como nos descrevemos? E como gostaríamos de nos ver? Como gostaríamos de nos descrever? É isso que estou ansiosa por descobrir neste livro de Patricia Cruz, porque é raro sair um livro de temática lésbica escrito com o olhar de uma portuguesa. Escrevam bikinis se já o leram!
Já aqui bikinei sobre Lisa Gornick (entre nós no Festival Queer do ano passado) que penso ser um exemplo muito sóbrio de que se pode fazer um bom filme lésbico sem se cair na flagrante armadilha da vitimização.
As lésbicas são um povo dramático, não são? Não sejamos que isso faz mal à pele, cria rugas e envelhece-nos por dentro.
Condessa X