segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Da Literatura

Sempre como n’Areia é o nome do primeiro livro de Patrícia Cruz.

Confesso não ter lido este livro ainda. Gostaria apenas de divulgá-lo e de aproveitar a boleia para reflectir sobre a literatura e outras formas de expressão artística de temática lésbica.
Normalmente os livros de uma prateleira podem estar agrupados por temática, por género literário ou por autor. Isto nas livrarias porque já vi casas com prateleiras agrupando livros pela sua dimensão (assim em escadinha) ou pelas cores das lombadas.

Secção Gay & Lesbian na Fnac

É curioso notar que a Fnac do Chiado era a única Fnac em Portugal que tinha uma secção Gay & Lesbian. A Fnac do Chiado sabe que o “bichiedo” saltita muito por aquelas bandas, daí a inteligência de criar um espaço com essa designação. Esse espaço de vez em quando desaparece. Agora os livros que anteriormente se encontravam nessa secção Gay & Lesbian poderão ser encontados na secção Erótica. Porquê? Quando falamos de homossexualidade (poderiamos falar de homo-erotismo, seria apenas uma questão de nomenclatura) estamos a falar de sexualidade, e num sentido mais restrito, de sexo, tout court. E esse sexo pode ser apenas desejo sexual ou a materialização, em carne, desse mesmo desejo. Sexo e erotismo unidos levaram os livros a viajar para a prateleira Erótica. Não sei se será um erro, mas compreendo o raciocínio de quem tomou tal decisão. Na verdade ainda não há decisão definitiva sobre a designação para aqueles livros. Um livro pode ser de temática LGBT sem que seja propriamente erótico e há milhões de livros eróticos que não abordam a temática LGBT. Descobri que os funcionários da Fnac têm ordem para alternar entre uma etiqueta e a outra. A resposta foi simples: É, de facto, a única prateleira com esta particularidade porque os livros eróticos estão misturados com os de temática LGBT por serem ambos em escassa quantidade. Como não há espaço para se colocar duas plaquinhas informativas nessa prateleira, optaram por alterná-las de vez em quando.
Vejamos, é importante agrupar os livros por categorias, criar labels, para que as pessoas saibam melhor encontrar aquilo que procuram. Toda a nossa vida fazemos isso, etiquetamos lugares, ideias, e, verdade seja dita, pessoas. Nem sempre a catalogação é justa porque normalmente a catalogação pede apenas um critério que muitas vezes é difícil de definir, precisamente, porque há muitas categorias e sub-categorias.


A escassez


Foquemo-nos num livro de temática lésbica. Ele pode ser uma simples obra de ficção, um diário, um ensaio, uma compilação de contos, uma compilação de entrevistas, uma biografia, um kamasutra… Ainda é fácil arrumar estes livros nas prateleiras de uma Fnac qualquer porque a quantidade ainda permanece pouca.
É precisamente por este motivo que temos tendência para gostar de qualquer coisa que venha com o label “temática lésbica”. Se um filme relata a história de duas protagonistas lésbicas, ele é uma maravilha. Se um livro fala de lésbicas, então ele é muito bom. Falta-nos mais oferta para podermos filtrar aquilo que nos vai chegando, isto é, separar o trigo do joio. Sinto-me tentada a denunciar maus livros e maus filmes, mas terei o bom senso de não o fazer através da escrita porque a x-pression disse que as Divas não fazem essas coisas.
É, de facto, imprudente avaliar a temática, o autor, ou o género sem se avaliar a qualidade. Não há literatura lgbt da mesma forma que não há literatura negra, ou literatura light. Há apenas “Literatura” e “não literatura” independentemente da temática, do autor ou do género.
Nem tudo o que é lésbico é bom. Não temos de gostar de um bar só porque ele é “lésbico”, de um livro, de um filme, do L Word, de uma cantora, de uma actriz ou de uma rapariga só por ela ser lésbica. E é sempre este o meu receio quando surge um filme, um bar, um livro, uma festa lésbica (produto que tem pouco mais de dois anos - lançado no mercado com a extinta Festa da Mulher Aranha e agora com a Lesboa a comemorar dois anos de existência), ou quando uma actriz ou cantora se assume. As coisas podem ficar piores quando se assumem como heterossexuais porque nós, lésbicas, temos tendência para penalizar tamanha ousadia. Assumir-se como heterosseuxal depois de dizer que era lésbica?
Lembram-se das Tatu antes tão amadas pelas lésbicas e agora tão esquecidas porque afinal parece que o seu lesbianismo era apenas fruto de uma estratégia de marketing?



"Ya soshla s uma" significará qualquer coisa como "eu enlouqueci por causa dela" e não "all the things she said".
Um amigo russo apresentou-me às suas músicas (cantadas em russo, que era muito mais giro) muito antes de chegarem a Portugal atreladas à língua inglesa. Pouco me importa com quem dormem as miúdas, continuo a gostar das suas músicas meio pirosas, sofridas e dramáticas de amores proibidos e impossiveis. Mas na música temos mais variedade do que na literatura.



O drama


Não me recordo de ler um único livro de temática lésbica que tivesse uma história apaziguadora, um enredo que não tivesse excessivo sabor a drama. Penso que se tivesse de agrupar todos os livros lésbicos que conheço em prateleiras, a secção de narrativas deprimentes teria de roubar espaço a todas as outras. Observa-se todo esse drama nos guiões de teatro e de cinema e até na generalidade dos blogues de temática lésbica. Há um défice de escrita positiva e isto não ocorre somente nos livros de temática lésbica, isto é global.
Pensemos nos filmes de temática lésbica. Quantos deles são depressivos e quantos não são? Quantos deles têm um final feliz e quantos acabam mal? Quantos encaram o sexo de forma natural e descomplexada e quantos o encaram como uma expressão tristonha de um amor sofrido? Por que é que os grandes amores têm de nos parecer sempre sofridos? Não podem ser alegres e descomplexados e ainda assim serem grandes amores? Teremos nós vidas assim tão penosas que até a fazer sexo somos descritas de forma triste?
É o drama que me faz estalar o verniz. O excesso de drama. Somos um povo fadisticamente dramático, nunca estamos contentes com nada e, subitamente, contentamo-nos com pouco. É este olhar de dentro que uma lésbica reflecte na sua obra que me interessa aqui. Como nos vemos? Como nos descrevemos? E como gostaríamos de nos ver? Como gostaríamos de nos descrever? É isso que estou ansiosa por descobrir neste livro de Patricia Cruz, porque é raro sair um livro de temática lésbica escrito com o olhar de uma portuguesa. Escrevam bikinis se já o leram!
Já aqui bikinei sobre Lisa Gornick (entre nós no Festival Queer do ano passado) que penso ser um exemplo muito sóbrio de que se pode fazer um bom filme lésbico sem se cair na flagrante armadilha da vitimização.
As lésbicas são um povo dramático, não são? Não sejamos que isso faz mal à pele, cria rugas e envelhece-nos por dentro.

Condessa X

5 comentários:

lr disse...

no entretanto, a fnac do chiado, condessa, não parece ter o livro, na secção que diz (G&L mantém-se; só mudou o poiso,para um local mais recatado...), mas a bertrand do chiado tem carradas deles.
de qualquer forma, sobre o livro em causa, pode-se dizer mal?
:)só preciso de acabar de o ler e está a custar...

Rebeca disse...

Ainda não li.

Em relação ao post queria só dizer que este fim de semana fui à nova livraria, a Byblos das Amoreiras, e esta tem uma estante LGBT, não sei dizer se a escolhas eram boas ou más porque para dizer a verdade não conheço nada da área nem lhe dei a devida atenção.


E já agora queria só dizer que adicionei o link ao meu blog. Espero que não haja problema.
(Sou leitora assidua, e respondo a todo os inquéritos:P)

kris disse...

ainda não li o livro, já o vi nas prateleiras da bertran...mas vou compra-lo...estou curiosa.

Mar da Lua disse...

Olá,
Antes demais deixem-me agradecer a sugestão de leitura do meu "Sempre como n'Areia" e, em segundo lugar, é bom perceber que os livros geram conversas que geram trocas de ideias, que por sua vez geram conhecimento e evolução. Independentemente do "drama" de que se falava - e sim, confesso que me foge um pézinho para o patrocinio dos lenços renova em determinada altura do livro - parece-me que o que é importante é que se desdramatize a dita cultura LGBT. Como dizia alguem..."ou é literatura ou não é, ou é cinema ou não é" e por isso mesmo sempre .
rejeitei o rótulo fácil de impluso à venda de 'romance lésbico'
Um abraço a todas e apareçam lá pelo meu cantinho.

Condessa X disse...

LR, obviamente pode dizer mal do que quiser, claro, sem nunca perder a postura Diva. Vou seguir o seu conselho e dar um lucky look ao livro em causa.
rebeca, obrigada pela dica, tratarei de adicionar essa informação a este post. Penso que actualmente já há mais livrarias com secções LGBT, eu é que sou distraída e como não gosto de centros comerciais reconheço poder estar pouco informada. Obrigada pelo link, também já está na nossa pink list.
kris, é sempre bom receber visitas além-mar. Não deixe de partilhar a sua opinião sobre o livro quando o ler. Gostaria de saber sobre a sua visão relativamente á literatura de temática LGBT aí no Brasil.
mar da lua, lamento ainda não ter conseguido pegar no livro, estou ansiosa por poder formar uma opinião. A parte dos lencinhos renova é a que mais me desmotiva porque uma chorona como eu é bem capaz de alagar o livro todo antes de chegar ao maço de lenços.

Um abraço e boas leituras!