segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Ensaio sobre os Prémios - parte I

Tenho sempre dificuldade em relatar os eventos que anuncio neste espaço e nos quais acabo por aparecer. É-me mais fácil limitar-me a anunciar do que partilhar publicamente a minha visão subjectiva. Falo de um movimento que quero ver fortalecido e por isso mesmo sinto-me desconfortável quando lhe aponto coisas de que não gosto. O facto de não estar formalmente vinculada a nenhum movimento ou associação permite-me participar activamente no que considero bom e criticar o que acho que deve ser melhorado.
O Teatro S. Luiz esteve animado. Tudo me pareceu bem organizado, gente animada e, optima notícia, TODOS os premiados apareceram em pessoa (a x-pression não foi premiada mas consta que desp(ed)iu as espiãs que tinha preparado para o efeito e apareceu, ela mesma, em pessoa).
O grupo Nobody's Perfect trouxe os ABBA para amolecerem logo os nossos corações.
Quem leu o que escrevi no post sobre os Premios (co)media saberá entender que a minha posição é dúbia em relação a este tipo de eventos.
Começo por confessar a minha ignorância sobre a quem caberá a decisão de escolher os premiados. São os associados? É a direcção?
Não acho que se deva "premiar" uma postura que qualquer bom profissional (mediático ou não) deva ter em relação à temática LGBT. Penso, antes de mais, que a luta se trava não só nos media mas também dentro das próprias associações e, porventura, seriam os voluntários e activistas de cada uma das associações, que dedicam o seu tempo de forma muitas vezes oculta (não mediática) que deviam ser "premiados".
Se é verdade que considero esta premiação a "personalidades" um completo disparate, também é verdade que reconheço todos os méritos a cada uma das personalidades premiadas. Durante os seus próprios discursos compreendi um certo incómodo nesta bajulação (refiro-me especialmente a Fernanda Câncio, cujas palavras procurarei transcrever mais adiante). Não temos de adorar bons profissionais só porque eles dão visibilidade à causa LGBT e volto a dizer que todo este mediatismo e estes prémios desnaturalizam a forma como gostariamos que a homo/bi/transsexualidade (alguém da assistência chegou mesmo a lamentar a fraca visibilidade da comunidade transexual, dentro das próprias associações) fosse encarada.
Solange F ganhou um prémio por se ter assumido como lésbica enquanto figura pública. Não lhe terá sido particularmente fácil certamente. Mas isso deve ser motivo de prémio? Consta que Luis Goucha ficou roído de inveja e assumiu-se logo a seguir. Para o ano já ganha malinha da Pelcor. E a cantora Dina não se tinha assumido também há uns belos anos?
As figuras públicas não têm obrigação nenhuma de se assumir. A sociedade e a própria comunidade gay em particular é que devia ter o bom senso de não precisar que figuras públicas do seu agrado se assumissem para aceitarem os homossexuais ou para justificarem a sua própria homossexualidade como aceitável. Como disse Sara Martinho da Ilga, "É importante que sejamos visíveis! Se não se assumirem, as pessoas da vossa família e os amigos continuarão a julgar que não conhecem homossexuais". É um trabalho que tem de ser feito gradualmente dentro da nossa própria casa, no nosso círculo de amigos e quiçá familiares, ainda que não tenhamos essa obrigação.
Em pouco diferem os premiados da Ilga e da rede ex-aequo, tão pequeno é o nosso país. Chega a ser tão pequeno que os próprios premiados às vezes até se confundem com quem atribui o prémio.
A voz off anunciou os apresentadores do evento: "A presid, não, a ex-presidente e o ex-vice-presidente" da REA.
Compreende-se o quase equívoco dado que Rita Paulos nunca me pareceu ter baixado os braços na luta pela construção da REA como hoje a conhecemos ou pela determinação na luta pela causa LGBT. Isso sim merecia prémio, tal como outros activistas de longa data (aposentados ou ainda no activo) que esgravataram ao máximo para que hoje a nossa geração de LGBT's tenha conquistado o espaço que conquistou. Refiro-me a Clubes Safos, a donos de bares antigos e discotecas antigas (como o Trumps que abriu numa altura em que nem Ilga havia), a activistas do antigo Grupo de Trabalho Homossexual (GTH) do PSR, a fundadores da Ilga, ao fundador da Korpus, do Portugalgay entre dezenas de outros exemplos. Alguém da nossa geração ainda se lembra deles também?
Rita Paulos começou por fazer um apanhado das conclusões do Observatório da REA, informando que só durante este ano foram relatadas 92 queixas de homo e transfobia nas escolas. É um número gigantesco, sem dúvida.
Para os premiados havia uma caixa azul (tão misteriosa como aquela do Mulholand Drive até porque ninguém viu o que continha) possivelmente com alguma medalha; um simpático ramo de flores e uma mala da Pelcor.
Se eu tivesse onde plantar árvores plantava sobreiros porque as malas são giríssimas. Fica aqui a dica de presente de Natal para mim (a agenda feminista não é preciso porque eu já a tenho).


Condessa X

P.S. - Amanhã, pontualmente às 19:00 a Parte II deste post porque ele revela-se comprido. E não, a segunda parte não é sobre a festa na Maria Lisboa que isso já quase todos os outros blogues mencionaram e eu nem sequer fui à after party porque disseram-me que já não ía haver jogo do gelo e assim não tem graça nenhuma.


4 comentários:

antidote disse...

(bocejo) sao tao previsiveis estes premios. nao premiam os verdadeiros pioneiros nem tentam impigir nos que o fazem. e acabam por ser premios tao mononormativos quanto a mononormatividade que supostamente o activismo quer combater. digo eu va, que acho a solange engracadinha mas daí a fazer dela um role model vai uma distancia maior que entre o meu kit de safe sex e a proxima Lesboa... idem para os outros contemplados... algum dos premiados sai do estereotipo branco, middleclass, bem comportadinho, nao vota demasiado á esquerda nem á direita, portugues?

fracturantes e fracturas mais ou menos expostas é que nem ve las.

vou morrer de tedio ali e ja volto...

Condessa X disse...

Previsíveis ou não. Atribuídos a pessoas brancas e da classe média ou não... não concordo com a existência deste tipo de prémios e pelas palavras de alguns deles presumo que também se sintam estranhos por recebê-los. Sou uma figura pública, assumi-me e ganhei um prémio; sou actriz, fiz papel de lésbica numa novela ganhei um prémio; sou jornalista, escrevi crónicas favoráveis à luta LGBT ganhei um prémio... Se eu for boa actriz, boa jornalista, enfim boa profisional, que ganhe prémios enquanto profissional. Fernanda Câncio até disse na entrega dos prémsio arco-íris que só recebia prémios de associaçoes LGBT. Eu até acho que escreve muito bem e podia ganhar outros tipos de prémios. Estes prémios não premeiam que exerce bem a sua profissão (nem seria esse o objectivo) mas apenas os que divulgam a causa. Não se premeia o bom actor, o bom jornalista, o bom apresentador, premeia-se simplesmente os que divulgam a causa. E eu acho que todo o bom profissional deve tratar a causa LGBT como estes premiados trataram e como muitos outros cujas vozes não ecoam tão alto, como os voluntários das associações, que ao que parece são os primeiros a me atirar pedrinhas por dizer isto.

Anónimo disse...

"(alguém da assistência chegou mesmo a lamentar a fraca visibilidade da comunidade transexual, dentro das próprias associações)"

Isso se calhar foi uma boca para alguns colectivos, que falam muito, muito, muito, sobre transsexualidade, mas sem terem pessoas transsexuais que se vejam (ou até que não se vejam de todo, por não as terem, apesar de quererem falar muito, muito, muito, e fazer umas reivindicações mais fantásticas que a écharpe do Castelo Branco, de que se lembraram na última meia-dúzia de dias - ou seja, quando começaram a ouvir falar do tema - e que dizem que o resto do pessoal, mesmo T, é muito básico, por não se lembrar desses brilhantismos).

Acho que tens toda a legitimidade para te queixares do que fazem as associações, se achas que te estão a representar mal. É, aliás, não só teu direito mas também dever. Mas existem coisas muito piores do que aquilo que falas. Pessoas sem trabalho, sem preparação, sem sentido de responsabilidade, que querem mandar postas de pescada sobre causas que não são as suas, querem protagonismo, impor ideiazitas fora do comum (só para serem diferentes), meter-se em frente às câmaras, arranjar namorad@ no associativismo, um emprego, uma cunha, currículo para a carreira política, serem convidadas para peças de teatro, que lhes dêem atenção, etc., etc. Critica isso primeiro. Critica o apagar do T por homossexuais transfóbicos ressabiados, critica o apagar do L por homossexuais misóginos ressabiados.
E experimenta também fazeres alguma coisa tu, que não és aleijadinha e concerteza consegues. Assim já ficas com uma noção real do que é o associativismo, e tens mais autoridade moral para falares.

Condessa X disse...

Anónimo, ao tratar-me por tu fico na dúvida se o faz por rudeza natural ou se por achar que tem algum tipo de familiaridade comigo. De facto concordo que há alguma invisibilidade por parte dos T's e não lhe sei dizer porquê. De pouco me importa se há pessoas que durante o seu percurso pelo associativismo aproveita para fazer carreira política ou para encontrar namorados, desde que seja bom naquilo que faz.
"E experimenta também fazeres alguma coisa tu, que não és aleijadinha e concerteza consegues. Assim já ficas com uma noção real do que é o associativismo, e tens mais autoridade moral para falares." Anónimo não sabe se sou aleijadinha ou não nem se fiz ou se continuo a fazer trabalho associativo. E vai continuar a não saber porque não é isso que me dá ou tira moralidade para falar. Beijinhos abixanados,

Condessa X