sábado, 19 de junho de 2010

A vontade de Saramago

"O pior de se estar morto é que se fica à mercê dos vivos, dos donos dos mortos".
Helder Macedo

Não vi ainda ninguém escrever sobre isto, mas tem-me feito imensa impressão a forma como os me(r)d(i)a têm tratado a situação. Ontem, todos os jornais espanhóis online que li diziam que as cinzas de Saramago seriam repartidas entre Azinhaga do Ribatejo e Lanzarote. Os jornais portugueses mencionavam que o escritor vinha para Portugal, e até houve quem, além de Mário Soares, sugerisse sepultar Saramago no Panteão Nacional. Cabe na cabeça de alguém que o homem deva ser sepultado em três sítios diferentes? Têm os nossos (des)governantes, que regra geral, não gostavam da visão política e humanista do escritor, alguma coisa de opinar sobre onde ele deverá ou não ser sepultado? Não caberá, porventura, à família (neste caso, à esposa) decidir isso? Não mencionara já Saramago que queria ser sepultado em Lanzarote, no jardim de sua casa, por baixo de uma pedra?


Ainda ontem José Sucena, assessor da Fundação Saramago veio dizer que afinal o escritor havia mudado de ideias recentemente e que afinal queria ficar só em Portugal. Disse ainda que por motivos particulares não podia adiantar o porquê de Saramago ter mudado de ideias e decidir, à última da hora, ficar em Portugal. Acrescentou também que Saramago lhe havia dito que só não deveria ser sepultado em Portugal caso Pilar, sua esposa, mudasse de ideias durante a viagem de avião. What? Não vos soa estranho tudo isto? Então Saramago consentia não ficar mais em Portugal, desde que a sua esposa se manifestasse contra isso quando o avião já estivesse a aterrar em solo português? E não poderia ela manifestar essa vontade em qualquer outro momento? Mas entretanto os me(r)d(i)a mudaram de discurso. Afinal as cinzas já são para repartir entre Lanzarote e Azinhaga.
Acrescente-se que a viúva do escritor ainda não se pronunciou sobre nada disto e nem quero imaginar a pressão que deve andar a sofrer com toda esta história.
Noto que os jornalistas parecem andar a forçar a opinião pública para que o escritor fique em Portugal. A tonta da jornalista faz perguntas do tipo "Apesar de todas as polémicas e da ida para a ilha de Lanzarote, até que ponto interpreta ou como é que interpreta o facto de José Saramago querer voltar para Portugal e deixar expressa essa vontade e de hoje se saber que a Fundação José Saramago indica que o escritor quererá mesmo que as suas cinzas fiquem mesmo em Portugal?" A "jornalista" realça as polémicas, a provocação do escritor, os ataques à igreja católica, as violações das regras de gramática, de cada vez que vai entrevistar alguém.

Breve resumo da novela:

Dia 18 às 18h - O corpo de Saramago vai ser cremado em Lanzarote, mas as cerimónias fúnebres vão realizar-se em Portugal. As cinzas do escritor retornarão a Lanzarote, como era seu desejo.

Dia 19 às 8:32 - Será cremado no cemitério Alto S. João, parte das cinzas ficarão na terra natal (Azinhaga do Ribatejo), e as restantes regressam a Lanzarote (Lanzarote declara 3 dias de Luto). Na parte final do video a entrevista ao escritor, em que ele manifesta vontade de ser sepultado no seu jardim em Lanzarote, debaixo de uma pedra.

Dia 19 as 12:52 - As cinzas serão entregues a Pilar del Rio. Saramago queria que pelo menos parte das cinzas ficassem em Lanzarote. Decretados dois dias de Luto Nacional, em Portugal.

Dia 19 - 13:17 - Vai ser cremado no Alto de S. João. As cinzas vão ficar repartidas entre Espanha e Portugal. A "jornalista" pergunta à jornalista da TVE se acha que a homenagem é justa dado a hostilidade que havia entre Saramago e Portugal. Pergunta ainda à outra jonalista: "Em algum momento, ontem, os espanhóis pensaram ontem que Saramago pudesse, por vontade própria, querer ficar em Espanha?" Depois justifica-se para as câmaras "Por vontade expressa, a Fundação Saramago transmitiu-nos que Pilar del Rio já fez saber que Saramago queria, por vontade própria, ficar em Portugal. Ou seja, as suas cinzas não vão ser divididas entre a casa de Lanzarote e Azinhaga do Ribatejo. Todos os seus restos mortais vão ficar em Portugal(...)"

Dia 19 - 14:07 - Entrevista uma cunhada de Saramago que garante que as cinzas seriam repartidas entre Lanzarote e Azinhaga. "As irmãs de Pilar a insistirem que ainda ontem a irmã, mulher se Saramago lhes confidenciava que afinal as cinzas do escritor português iriam ser divididas entre Lanzarote e Portugal. Não é de todo essa a informação que temos neste momento. José Sucena disse-nos há pouco que enquanto Pilar não tivesse mudado de ideias, a vontade expressa do escritor, nos últimos momentos de vida, era de ficar em território português apenas, mas a família insiste em dizer que afinal assim nao é(...)".

Dia 19 - 14:27 - A jornalista diz que "(...)O momento que traz o Nobel português de Literatura que decidiu viver em Espanha, mas que nos últimos momentos de vida deixou claro à mulher, Pilar, que era em Portugal que queria ficar. E é este o momento em que o carro funerário traz José Saramago, de volta ao país. Ao país do qual se ausentou dizendo que, forçadamente, por ter sido mal tratado pelos governantes que nunca o compreenderam.(...) De tudo aquilo que se passou na vida de José Saramago, de toda a hostilidade que foi sendo crescente entre ele e o país, fica contente por ver José saramago regressar ao seu país agora, na hora da morte?"

Dia 19 - 20:17 - Ao início da noite a jornalista já fala em polémica em torno do local exacto onde ficará Saramago.

Quem provoca estas situações não tem vergonha na cara?

Condessa X

P.S. - Dou docinhos a quem adivinhar de onde é que vem esta "jornalista".

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